O presidente brasileiro propôs iniciativas de integração aos outros 11 países representados na reunião que aconteceu no Palácio Itamaraty, em Brasília
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apontou, em reunião com 10 presidentes de outros países da América do Sul nesta terça-feira (30), a necessidade de uma aliança em torno da integração da região a outras potências. O mandatário citou a necessidade de reconstrução do Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas (Unasul).
Sem citar o nome do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a quem é adversário direto, o atual mandatário apontou que o Brasil ficou isolado diplomaticamente e interrompeu avanços nos últimos anos ao ter um “governo negacionsita”. De acordo com ele, a América do Sul havia deixado “de ser apenas uma referência geográfica e se tornou uma realidade política”, mas “infelizmente esses avanços foram interrompidos nos últimos anos”.
“No Brasil, um governo negacionista atentou contra os direitos da sua própria população, rompeu com os princípios que regem a nossa política externa e fechou nossas portas a parceiros históricos. Nosso país optou pelo isolamento do mundo e do seu entorno. Essa postura foi decisiva para o descolamento do país dos grandes temas que marcaram o cotidiano dos nossos vizinhos”, disse.
“Na região, deixamos que as ideologias nos dividissem e interrompessem o esforço da integração. Abandonamos canais de diálogo e mecanismos de cooperação e, com isso, todos perdemos. […] Somos uma região de paz, sem armas de destruição em massa, e na qual os litígios são resolvidos pela via diplomática”, frisou, acrescentando que, quando reassumiu como presidente neste ano, “a América do Sul voltou ao centro da atuação diplomática brasileira”.
“A América do Sul tem diante de si, mais uma vez, a oportunidade de trilhar o caminho da união. E não é preciso recomeçar do zero. A UNASUL é um patrimônio coletivo. Lembremos que ela está em vigor. Sete países ainda são membros plenos. É importante retomar seu processo de construção”, declarou.
“Mas ao fazê-lo, é essencial avaliar criticamente o que não funcionou e levar em conta essas lições. Precisamos de mecanismos de coordenação flexíveis, que confiram agilidade e eficácia na execução de iniciativas. Nossas decisões só terão legitimidade se tomadas e implementadas democraticamente”, completou.
Segundo Lula, os elementos que unem a região “estão acima de divergências de ordem ideológica”. “Somos uma entidade humana, histórica, cultural, econômica e comercial, com necessidades e esperanças comuns. As recentes eleições na Colômbia, Chile, Bolívia, Brasil e Paraguai demonstraram o vigor da democracia em nossa região, em escrutínios marcados pela expressiva participação popular e ampla liberdade de expressão”, destacou.
“Enquanto estivermos desunidos, não faremos da América do Sul um continente desenvolvido em todo o seu potencial. Permitir que as divergências se imponham teria um custo elevado, além de desperdiçar o muito que já construímos conjuntamente. […] A integração da América do Sul depende desse sentimento de pertencer a uma mesma comunidade”, completou.
Lula ainda propôs que as seguintes iniciativas sejam consideradas pelos chefes de Estado da América Latina e debatidas em um grupo pelo prazo de 120 dias, com representantes pessoais indicados pelos presidentes presentes na reunião:
Colocar a poupança regional a serviço do desenvolvimento econômico e social, mobilizando os bancos de desenvolvimento como a CAF, o Fonplata, o Banco do Sul e o BNDES;
Aprofundar a identidade sul-americana também na área monetária, mediante mecanismo de compensação mais eficientes e a criação de uma unidade de referência comum para o comércio, reduzindo a dependência de moedas extrarregionais;
Implementar iniciativas de convergência regulatória, facilitando trâmites e desburocratizando procedimentos de exportação e importação de bens;
Ampliar os mecanismos de cooperação de última geração, que envolva serviços, investimentos, comércio eletrônico e política de concorrência;
Atualizar a carteira de projetos do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN), reforçando a multimodalidade e priorizando os de alto impacto para a integração física e digital, especialmente nas regiões de fronteira;
Desenvolver ações coordenadas para o enfrentamento da mudança do clima;
Reativar o Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde, que permitirá adotar medidas para ampliar a cobertura vacinal, fortalecer o complexo industrial da saúde e expandir o atendimento a populações carentes e povos indígenas;
Lançar a discussão sobre a constituição de um mercado sul-americano de energia, que assegure o suprimento, a eficiência do uso dos recursos, a estabilidade jurídica, preços justos e a sustentabilidade social e ambiental;
Criar programa de mobilidade regional para estudantes, pesquisadores e professores no ensino superior, tido como importante na consolidação da União Europeia; e
Retomar a cooperação na área de defesa com vistas a dotar a região de maior capacidade de formação e treinamento, intercâmbio de experiências e conhecimentos em matéria de indústria miliar, de doutrina e políticas de defesa.
O presidente brasileiro comentou, ainda, estar “pessoalmente convencido” da necessidade de um foro para discutir com fluidez e regularidade e orientar a atuação dos países para o fortalecimento da integração em várias dimensões.
O mandatário lembrou que a América Latina irá sediar, nos próximos anos, eventos dos principais foros de governança global, como a reunião do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, no Peru, a Cúpula do G20, a reunião dos BRICS e a COP 30, do clima, no Brasil. Por isso, os países precisam “chegar a esses espaços unidos, como interlocutores confiáveis e buscados por todos”.
Lula recebeu os 10 presidentes de outros países da América Latina no Palácio Itamaraty, em Brasília (DF), na tentativa de retomar o bloco das nações do continente e liderança brasileira. Estiveram presentes os presidentes Alberto Fernández (Argentina), Luís Arce (Bolívia), Gabriel Boric (Chile), Gustavo Petro (Colômbia), Guillermo Lasso (Equador), Irfaan Ali (Guiana), Mário Abdo Benítez (Paraguai), Chan Santokhi (Suriname), Luís Lacalle Pou (Uruguai) e Nicolás Maduro (Venezuela).
A presidente do Peru, Dina Boluarte, não compareceu por questões constitucionais relacionadas à crise política instalada desde o fim de 2022, com a destituição do agora ex-presidente Pedro Castillo. Representou o país na reunião o presidente do conselho de ministros do país, Alberto Otárola.