Desde o início da guerra na Ucrânia, o governo russo tem mobilizado diversos elementos históricos e culturais com o objetivo de manter o apoio interno à sua estratégia militar. O apelo ao passado glorioso da Rússia, com ênfase na vitória sobre o nazismo e no papel de potência soberana ameaçada por forças externas, tornou-se parte essencial do discurso estatal. Essa abordagem não é nova, mas ganhou nova força diante do prolongamento do conflito, sendo tratada como instrumento central de coesão nacional.
A construção de uma narrativa que remete ao heroísmo soviético e à resistência histórica contra invasões estrangeiras tem servido para legitimar as ações militares e desviar o foco dos custos humanos e econômicos do conflito. A mídia estatal desempenha papel fundamental nesse processo, reforçando imagens de bravura, dever patriótico e sacrifício coletivo. Dessa forma, busca-se criar uma percepção na qual a guerra não é apenas uma ação geopolítica, mas uma continuação da defesa da pátria.
Essa estratégia também se materializa nas escolas, em desfiles militares e em iniciativas culturais que enaltecem os feitos passados da Rússia, muitas vezes ignorando os aspectos mais controversos ou dolorosos do próprio regime soviético. O culto a figuras como Stalin voltou a crescer, sendo apresentado não como símbolo de repressão, mas como líder implacável que garantiu a sobrevivência da nação. A juventude é incentivada a se identificar com esse espírito nacional, sendo treinada para ver o conflito atual como um capítulo necessário de uma história contínua.
É importante destacar que esse tipo de mobilização simbólica é eficiente em tempos de incerteza, pois oferece ao povo russo um sentimento de propósito e unidade. Em vez de questionar os motivos da guerra, parte da população prefere encontrar significado em uma narrativa de resistência. A identidade coletiva se sobrepõe à análise crítica, criando um ambiente onde o apoio ao governo é percebido como sinônimo de lealdade ao país.
A economia, embora afetada por sanções e isolamento, é frequentemente interpretada pela população como consequência de um embate inevitável com o Ocidente. Essa visão reforça ainda mais a lógica de resistência. A percepção de que a Rússia está enfrentando uma ameaça externa permite justificar privações e sacrifícios em nome de um bem maior. Nessa lógica, o sofrimento presente se transforma em preço justo a ser pago pela manutenção da soberania nacional.
Ainda que haja sinais de desgaste em alguns setores da sociedade, o nacionalismo continua sendo uma ferramenta poderosa para conter dissidências e reforçar o controle estatal. Críticas ao governo são frequentemente tratadas como traições, enquanto manifestações contra a guerra são rapidamente reprimidas. Essa combinação de repressão e propaganda cria um ambiente onde o discurso oficial tem pouca concorrência, especialmente fora dos grandes centros urbanos.
A longo prazo, no entanto, a eficácia dessa estratégia dependerá de como a população russa lidará com as consequências mais duras do conflito, como perdas humanas crescentes, estagnação econômica e isolamento internacional. Mesmo o mais enraizado sentimento patriótico pode se desgastar diante da realidade, especialmente se a guerra não apresentar resultados tangíveis que justifiquem os sacrifícios impostos. A manutenção do apoio popular exigirá não apenas símbolos e discursos, mas também respostas concretas às dificuldades cotidianas.
No cenário atual, a aposta nas emoções coletivas, na nostalgia de um passado vitorioso e no sentimento de pertencimento à nação ainda se mostra suficiente para sustentar o apoio da maioria. Contudo, esse equilíbrio é frágil e depende de uma constante reafirmação do inimigo externo e da glória interna. O desafio para o Kremlin será manter essa construção simbólica intacta diante das transformações que o conflito inevitavelmente trará para o tecido social e político da Rússia.
Autor : Latos Simys